sábado, 26 de setembro de 2009

Prefácio

Já fazia alguns meses que César sofria de um vazio frio que o forçava a se abraçar em um canto, como uma criança assustada. Essa sensação era tão incômoda e incompreensível que ele, que sempre achou psicologia comparável à um livro de auto-ajuda oral, procurou um psicólogo.

Após uma longa conversa sobre ele próprio, o psicólogo concluiu que não sabia o que César tinha, mas chutou depressão. Ele, após concluir que tinha toda razão quanto a psicologia, decidiu que tomaria um anti depressivo e seguiria com a vida.

Na mesma noite em que quase engasgou com as pílulas para depressão, César descobriu que tinha medo de dormir. As lembranças de quando o inverno junto com a solidão chegavam à sua alma eram idênticas a quando dormia. Nunca, desde pequeno, sonhou. Então as duas, em sua mente, representavam uma parte em branco, na verdade algo escuro demais para ser branco, e só de imaginá-las sentia lágrimas assustadas tentando escapar de seu olhos.

Então, para resolver essa situação, viciou-se em cafeína. Bebia litros e litros de café preto, em pequenas xícaras com duas colheres de açúcar, durante o dia, mais o dobro à noite.

Uma tarde, no banheiro da empresa onde trabalhava, se olhou no espelho e fitou um rosto estranho; pálido, com olheiras fundas e envelhecido pelo sono. Assustado pelo encontro com o espectro de si próprio, decidiu que iria num psiquiatra.

Novamente decepcionado com uma consulta que não levou a nada e com novos anti-depressivos, maiores e mais perigosos, ele resolveu procurar ajuda espiritual, apesar de ser ateu.Enquanto dirigia à caminho de um terreiro de macumba, ele finalmente após semanas insones, adormeceu e sonhou.

Pela primeira vez sonhou.

Nesse sonho sua consciência era livre de qualquer corpo ou matéria e flutuava sobre outro César que dormia enquanto dirigia. Por consequência bateu em um outro carro sendo, por isso, empurrado para o meio-fio rasgando seu pneu.

O ruído vindo do atrito entre a roda e o asfalto o acordou e ao olhar para frente viu o resultado de todo o acidente do sonho. Quando finalmente se deu conta de que ainda estava em movimento, viu que ia bater, em alta velocidade, na traseira de um caminhão e que não era mais possível evitar o baque. Só então entendeu que a sensação de que sua alma entrava em um vácuo sem fim era medo de morrer.


terça-feira, 1 de setembro de 2009

Reflexões em rubro.

Após o gozo carnal me pus sentado no divã a beber. "Não precisa ficar se não quiser", disse -me com seu desdenhoso olhar a me fitar. Respondi que terminaria minha Vodka, eu não tinha pressa.

Ela ainda me fitava enquanto vestia-se e devia entreter-se pois cortou sua mão de modo inexplicável. E com inexplicável preocupação cuidei do corte, o que me tornava sóbrio. Então perguntei pelo meu copo, ela o segurava e, com melancólicos olhos, observava a bebida enrubescer.

-Pingou um pouco de sangue. Disse ela com sua terceira face, a que achei que não veria, a que provava sua, agora incontestável, humanidade, a da vergonha.

Em mais um momento inexplicável, induzido possivelmente pela pena, tomei o copo de sua mão e bebi-o.

-Por que fez isso? Perguntou novamente melancólica.

-Achei que te faria bem. Respondi sinceramente.

-Mesmo que o fizesse... Teria de beber todo meu sangue.

-Assim te mataria.

-E meu corpo serviria às minhocas como servira aos homens em vida. Ele me fitou com um olhar que não soube distinguir se o que via era sarcasmo ou tristeza.

Vesti-me e coloquei cem reais na cómoda, o dobro do combinado. Fui embora e voltei na semana seguinte para mais uma noite, dessa vez sem conversa. E nunca mais a vi.