segunda-feira, 29 de novembro de 2010

Pequenas explosões de cor caindo.

   Levantou-se triste e com dor no corpo, em minha juventude, em minha juventude... disse pra si e então sentiu o mundo estagnar-se sob seus pés e quase caiu por culpa da inércia. Em minha juventude. O quê em minha juventude? e não podendo responder a pergunta sentiu que o sol diminuía no céu e o mundo tornava-se escuro e frio e a culpa era toda dele. Não, não. Besteira... mas por via das dúvidas arrastou-se até a janela. Arrastou-se porque era velho e seu corpo doía e até a janela porque queria abrí-la e ter certeza de que era besteira. Abriu-a e o sol, tão grande e cruel como sempre, queimou-lhe a visão e tudo o que viu foi pequenas explosões alegres de cor caindo que seguiam para onde quer que ele olhasse. Toda essa demonstração de alegria infundada sangrou-lhe em algum lugar úmido e asqueroso de seu ser e, um pouco consciente e um tanto quanto em transe, fechou a cortina e abriu-a novamente, mas só o suficiente para lançar um pouco de luz no quarto.
   Arrastou-se sonolento pelo resto de sua pequena casa abrindo frestas nas cortinas das janelas no caminho e como a sonolência não parecia querer se dissipar pensou em fazer café, acordar pra vida. Acordar pra vida? Confuso olhou pra baixo e com grandes poderes oraculares adivinhou no padrão dos desenhos de seu piso o dia quente, melancólico e vazio que se arrastaria longo, pesado e lerdo como seus passos.
   Assustado com sua visão mais uma vez arrastou-se, agora de volta ao quarto, fechando metódicamente as cortinas das janelas em seu caminho e deitou-se. Lutou imerso num desespero calmo e estranho contra qualquer pensamento que o impedisse de dormir até que, finalmente, o nada foi alcançado e ele dormiu, dormiu e dormiu.

terça-feira, 9 de novembro de 2010

Um século a noite.

O ponteiro cai com o peso dos séculos
o mesmo peso que sinto em meus olhos
que, ainda assim, se mantém abertos

Não há um só objeto
em meu escuro quarto deserto
capaz de prender-me a atenção

Assim, então, ficamos eu e meu eu-lírico
vagando como sombras
no dia que se esvai lentamente
pisando nos cacos de vidro no chão da minha mente.

Até que os séculos vençam,
o dia morra,
outro nasça sem remorso
ou respeito algum
e eu acorde
em algum quarto ensolarado
parecido com o meu.
Sem lembranças oníricas
de Morfeu nenhum.

Na casca de um perdido qualquer.

   Era um peso borbulhante na boca do estômago e um peso agudo cravado no crânio e como se não soubesse o que fazer para vencer a gravidade e extinguir a dor, tudo o que fez foi manter-se deitado na cama.
   Uma relação estranha a desses dois, ou nem tanto? talvez todas as relações sejam exames metódicos do Amor Imponderável, feitas exclusivamente para inflar nossos egos e evitar que subamos uma passarela qualquer, acima de uma via movimentada qualquer e pulemos sujando carros, asfalto e almas de cascas passantes.
***
   Era a espera de um telefonema, ensaiado exatas trinta e sete vezes para parecer espontâneo, convidando-o para sair e beber, o que ficava subentendido. E receber os resultados do exame, o que também ficava subentendido.
   Era a espera, o desistir de esperar e então voltar correndo e tremendo de pura excitação e um pouco de nervosismo a tempo de atender o telefonema e passar a ligação para seu verdadeiro dono. Daí, então, ele verdadeiramente desistiu. Na não-ligação disseram que o exame deu negativo, não havia nenhum Imponderável, mas o Crânio Cravado precisava de tratamento urgente.