quarta-feira, 16 de novembro de 2011

A Falta (de respeito próprio)

   A porta do bar era suja, sombria e pouco convidativa, entretanto encontrava-me em um estado de espírito estranho o suficiente para que somente o sujo, o sombrio e o pouco convidativo me atraísse. Entrei e senti que todos me fitavam pelo canto dos olhos ao mesmo tempo que comentavam entre si por sussurros sobre mim. Mas este é um desses fatos que nossos sentidos normais não alcançam, desses que apreendemos pela espinha, que esfria, e analisamos com a garganta, que se fecha.
   Sentei-me num banco que era também sujo e sombrio, como tudo e todos lá. Na minha frente estava o garçom, que fingia me ignorar, fiz movimentos estúpidos e desconcertantes com meus braços numa tentativa inútil de chamar-lhe a atenção, como pareceu não funcionar bati de forma rude e eficaz no mármore engordurado que nos separava. Novamente minha espinha gelava e minha garganta se trancava. Pensei em pedir-lhe cerveja, mas essa é uma bebida que tomamos acompanhados, não cabia naquela situação. Pedi Vodca.
   Percebi que em momento algum procurei por ele, aquele a quem vim ver com toda a coragem que pude converter em ação. Instintivamente eu sabia que ele não estaria lá, foi também por instinto que eu sabia que ele  nunca saberia que eu me atrasei mais de quarenta minutos. Marcamos às seis, já eram mais de sete horas. Aos poucos o desespero esvaziava os copos à minha frente, ao menos parecia ser aos poucos pra mim, que já estava tonto.
   Enquanto o relógio tique-taqueava para zombar-me, a voz de meu pai, muito mais grave que de costume, ecoava em meus ouvidos uma mensagem que era tão grave quanto a voz. Ele me avisava do atraso, e me falava de seus significados ocultos: a negligência e o desprezo. Todo atraso, segundo ele, se baseava nessas duas palavras. O pior era que nessa regra eu era exceção. Seu atraso me desprezava e naturalmente me esquecia, como se esquece momentos traumáticos, me qualificando como erro, memoria reprimida. Era um atraso cruel esse dele. O meu era pequeno e tímido. Tentava apenas proteger-me dele, assim como meu pai tentou.
   Já passava das oito. Ele nunca havia se atrasado tanto. Era um recorde, constatei em alto e bom som sob o efeito dos copos vazios e incriminantes. Com isso fiz rir uma mulher, que provavelmente esteve ao meu lado todo o tempo sem que eu me desse conta. Olhou-me submissa e lasciva pelo que me pareceu séculos e perguntou meu nome. Irresistível. Não lembro o que respondi mas não foi um nome, já não tinha um. Mas antes de sumir dei a ela tudo o que sobrou de mim: sêmen e lágrima

quinta-feira, 10 de novembro de 2011

Sobre a inutilidade perene.

   A vida devia ser arte e nós devíamos viver como arte, belos. Cada pequeno átomo devia ter expresso em si um ideal de beleza e ser extremo em sua qualidade expressiva. Mas, a beleza nos escapa. Já que essa nos escapa, cada pequeno ato devia ter significado e, sendo assim, cada momento sofrido devia ser recompensado. Mas, nada é como devia ser. O real é imenso e supremo e sufoca o ideal que é pura e simplesmente ideal e, como tal, existe somente nas ideias e em nenhum outro lugar.
   Hoje eu acordei pensando e que tormento é ser pensante. Sendo pensante eu descobri os defeitos mais desconcertantes. Descobri o niilismo, o ateísmo e a solidão, pouco depois descobri a depressão e logo me descobri inútil. Levantei, respirei fundo e mergulhei fundo na profunda inutilidade universal. Tudo é inútil, tudo sempre foi inútil e tudo sempre será. Mas não pode ser, não pode; pensei.
   Ao pensar isso me vi emergindo de volta a superfície do mar de inutilidade, onde ainda há esperança, onde ainda há a crença num significado maior, um significado escondido, mas um significado mesmo assim. Mas será a esperança que só existe na superfície, a esperança superficial, suficiente? Esperança essa que é sinônimo de expectativa de algo que pode existir ou não.
   Quando já não posso mais esperar submerjo e me afogo tragando em grandes goles a inutilidade que me cerca. Inutilidade essa que é desoladora, assim como a expectativa travestida de esperança, mas é verdadeira.
   Talvez, só talvez, afogar-se seja arte. Talvez haja beleza nessa tristeza que vem da inutilidade perene. E se a vida é privada de sentido, que seja ao menos grande e bela.