sexta-feira, 13 de janeiro de 2012

L.

...e então saí. Saí para encontrar-me com alguém. Saí para transar com alguém. Saí porque meu corpo necessitava movimentar-se sobre terra estrangeira. Saí porque eu precisava ver gente desconhecida, do mesmo modo que às vezes precisava comer ou beber. Saí porque eu precisava de um instante agradável. Saí porque meu corpo precisava nutrir-se de orgasmos, ou talvez eu pensasse que esfregar minha pele contra a pele de um ser de minha espécie pudesse me curar.
    De fato encontrei pele. Pele jovem, lisa, fresca, macia, queimada de sol e marcada com símbolos de um sistema desconhecido e sem outro sentido além de enfeitar a pele já descrita. Perguntei-lhe o nome, sorri e fingi examiná-lo, como se eu já não o tivesse feito, mas é que essa atitude faz parte do código de conduta em situações como esta. Julio, Victor, Mauricio, Sérgio? Não importa. Ele respondeu e eu sorri e me apresentei enquanto suspirava aliviado porque seu nome em nada me lembrava o Outro.
   A conversa fluía, lenta, mas leve. Ele estuda em um colégio bom, melhor que o do Outro, mas há algo com aquele uniforme que simplesmente me atrai. Ele também aprecia músicos dos quais nunca ouvi falar, mas duvido que eu vá gostar tanto destes quanto gostei das músicas que o Outro me fez ouvir. Ele faz Taekwondo, o Outro faz Boxe.
   Conversa longa, silêncios sufocantes, rizadas nervosas sem explicação lógica... Choque de peles. Ele segurou meu braço e percebi estar sendo examinado por ele. Qual seria minha nota? Não importava, eu estava acima da média e isso era suficiente. "Na minha casa ou na sua?" Na dele, é claro.
   Transamos. O Outro nunca transaria tão bem assim, mas isso não tinha a menor importância. Nunca eu quereria alguém como eu o quero. 
   Levantei-me evitando qualquer contato com aquela pele indesejada, quase desprezível. Despedi-me de forma ríspida, que é como ajo sempre que me entendo, sempre que me acho. Me vesti correndo, disse que ligaria e fugi antes de pegar o número do telefone. 
   Ao chegar em casa fui direto tomar banho para esfolar minha pele exterminando assim qualquer vestígio da pele alheia e asquerosa. Quando não sobrou nada além de carne-viva deixei-me cair sobre o azulejo molhado e chorei. Chorei por saber exatamente o que eu queria. Chorei por saber, sem sombra de dúvida, que ele não me quer. Chorei porque naquele momento eu não era nada além da metade de um todo que me exclui. 

segunda-feira, 9 de janeiro de 2012

Vida e morte do passante que me olhou torto e revelou tudo.

   A frustração fora sempre uma constante. Era tão acostumado a sua presença que nas raras ocasiões em que esta se ausentava era impossível evitar surpreender-se. Essas raras e alegres ocasiões eram por ele ansiadas como um morto de fome anseia por um prato de comida, mas não importava quão alegres fossem pois nunca eram mais que efêmeras, nunca válidas.
   Tantos anos exposto a esses sentimentos amargos que o afogavam sempre que se decepcionava estavam tornando-o melancólico e vulnerável. Acordava tarde depois de dormir cedo e ao olhar através da janela empoeirada do quarto começava a amaldiçoar o céu por este ser incapaz de controlar a chuva de lágrimas e o trovejar de soluços. Quase como se o céu fosse uma extensão dele próprio. Quase como se o céu não chorasse solitário lá do alto inalcançável, mas sim ao seu lado. Os dois impalpáveis, os dois nublados.
   Sentia falta de algo que não era capaz de identificar, algo que era tão parte dele quanto seu próprio braço. Algo como um membro amputado, que ainda doía como se estivesse ali. Era a falta de algo comum a todos de sua espécie, menos a ele.
   Numa noite de singular angústia começou a se auto-analisar, como que em busca da razão de sentir-se da forma que sempre se sentiu. Era uma tentativa desesperada de se curar, se é que se permitia este tipo de esperança. Acabou se descobrindo insignificante. Assim como tudo no mundo era ele filho do acaso, sem finalidade, sem nada.
   Nessa mesma noite ele morreu. Morreu como quem desmaia. Morreu como quem dorme. Morreu porque simplesmente não havia mais nada que o segurasse vivo e, ao morrer, ninguém soube. Ninguém nunca soube. Era um ninguém e com estes não se desperdiça nem um milímetro da página de óbitos.