quarta-feira, 20 de julho de 2011

O ídolo do covarde.

   Ele estava lendo um livro de bolso, desses que ele compra de um sebo poeirento no centro da cidade. Sentei-me a seu lado e ele declamou para mim o ultimo verso do poema que estava a ler. "E os meus vinte e três anos... (sou tão nova)/ Dizem baixinho a rir: 'Que linda a vida!'.../ Responde a minha Dor: "Que linda a cova!'".
   Perguntou-me o que achei do poema então... estalo! Travei e quase enlouqueci enquanto buscava algo que dizer. Óbvio que havia amado, sempre gostara dos contos de Florbela e foi lindo descobrir um de seus versos mas, parecia demasiado covarde admitir gostar. Seria como admitir que tudo o que ele me apresentasse seria engolido com um sorriso em meu rosto passivo e feliz em agradar. Pensei, então em dizer que não gostara dele, agir com indiferença ou arrogância, dizendo conhecer o poema mas, a imagem agressiva que se materializara em minha mente não me agradou. Ficar em cima do muro estava fora de questão! Pessoas vazias e sem opinião, parafraseando o que sempre me disse, lhe causavam asco e náuseas... estalo! Eu era uma dessas pessoas e precisava desesperadamente impedir que ele descobrisse.
   O choque do estalo fez com que eu me calasse e não o respondesse, mas seus olhos sedentos me espancavam atrás de resposta. Tentei me recompor e formular uma resposta digna, mas tudo o que consegui dizer foi "sei lá", daquela forma patética tão característica dos covardes como eu.
   Novamente seus olhos me espancavam e não havia nada a ser feito.
   Após tantos golpes eu me permiti sangrar e lamentar sobre minhas feridas e ele podia ver isso, afinal ele as causara. Eu quis gritar que era culpa dele e sangrá-lo assim como ele me fez sangrar mas meu complexo de inferioridade era mais forte que meu sistema de auto-defesa o que significava que eu ainda precisava ser aceito, ainda precisava ser admirado e amado por ele, por todos aqueles motivos que pessoas sãs seriam incapazes de compreender. Engoli o berro, desarmei meus olhos e dissimulei. Me peguei a admirar seus olhos, aqueles olhos aterradoramente claros e críticos e que eram, com certeza, o que me atraíam a ele. Ao fazer isso percebi como eu era auto-destrutivo então forcei-me a admirar sua boca, gentil e doce, mas era óbvio que isso só estava acontecendo por ser quela uma noite sinistramente intimidadora.
   Logo me peguei novamente hipnotizado por aqueles olhos malignos e novamente quis gritar com ele, novamente quis espancá-lo, sangrá-lo e ofendê-lo de todas as formas que fosse capaz. Mas, novamente, me peguei engolindo o berro, segurando o murro e perdendo todo o veneno que tinha dentro de mim por motivos suficientemente claros. Percebi também, em outro maldito estalo, que assim faria para sempre ou até que ele se cansasse de minhas incapacidades e me deixasse com um pedestal vazio. E assim foi.

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