quarta-feira, 27 de março de 2013

O último signo

   Poucos sabem, mas existe um décimo terceiro signo do zodíaco. Este é o signo dos que não vivem sob a influência dos astros e sim da do vácuo entre eles. O signo dos infortunados, dos loucos e desesperados. Edgar o dizia corvo, Augusto o dizia verme e eu digo que sou deste signo multiforme e azarado. Nasci no mês que vem depois de dezembro e antes de janeiro, no dia 32, às 25 horas na única encruzilhada que há na estrada Sodoma-Gomorra. E digo isso somente para que os desconfiados como eu possam consultar meu mapa astral e ter a certeza de que não minto. Uma espécie torta de argumento de autoridade.
   Nós vacuonianos somos desconcertados, sem grandes habilidades, estrábicos, sociofóbicos e depressivos  por longos períodos de tempo intervalados por breves momentos de apatia, seja alcoólica ou medicamentosa.
   Um famoso nativo de meu signo, Murphy, escreveu nosso manifesto que é também um conjunto das leis que regem o universo para nós. Somente para nós, pois não só a venda da lei dos homens é de tecido transparente e caro. Talvez você, leitor, esteja familiarizado com as Leis de Murphy.
   Estando, então, muito bem definidos minha sorte e destino; e eu conformado e acostumado a eles, eis que todo o cosmos é contrariado. Ou talvez tenha se apiedado de minha condição... O fato é que colocou em meu caminho uma brisa de amor. Mas como confiar que esse pequeno movimento de ar é o prenúncio de toda uma tempestade que culminará em tornados e vacas voando e não em um efêmero embaraçador de cabelos? Há certa frustração em se conseguir o que quer. Essa desconfiança que vem da percepção de estar vivendo a exceção à regra. Afinal, como pode o leão amar o nada entre as estrelas?

domingo, 3 de março de 2013

Vem

Vem num soco
que te quero tosco.
Vem sem jeito
que te quero torto.
Só não vem louco
que não te quero morto.

Vem aberto
que simplesmente te quero.
Seja abraço,
seja laço de braço.
Só esteja comigo.
Esteja vivo.

Pele devastada

A pela era terra
fértil e verde,
vulnerável e pulsante.
Ele era explorador,
alcançava cada curva,
dominava e nomeava.
A ditava!
Pois ela era dele.
Ativamente submissa
acatava cada imposição
como quem ouve uma sugestão
já que assim se agradava
tal como se enganava.
Fato sem importância
para ela: terra encontrada.
Terra nomeada!
Explorada,
mas útil em última instância.

Ele tem outro

O travesseiro extra ocupa o vácuo
deixado por aquele último.
Retardado desistiu de largar
o cigarro que fumava.
Nervosamente xingava e chorava
o homem que agora levantava.
E dizia não saber.
E dizia que o amava.
Machucado e abandonado não ligava
para outro que o curasse.
A carência morreria
sufocada em fumaça,
por travesseiros esmagada
e pelo relógio ignorada.
E esse cantava,
e tic-taqueava
promessa de amnésia.