terça-feira, 27 de abril de 2010

Da janela aberta ao nada.

Já não adianta repensar os motivos, ele dizia a si mesmo. Mas, num fluxo impossível de controlar, o filme rolava em sua mente, as vezes na versão crua e outras vezes editado, onde ele mudava suas ações enquanto seu sub-consciente, como num cruel jogo, criava tragédias ainda maiores.
Da janela aberta o vento soprou como que para lembrá-lo de sua decisão, ou da decisão que deveria tomar. A grade de segurança já estava aberta e, se ele ainda pensava em pular, teria de fazê-lo agora, antes que seus pais chegassem e o impedissem.
Pular, não pular, pular, não pular... A questão era tão constante quanto o tic-tac do relógio ao lado da ansiosa janela.
-Pular! ele decidiu e logo firmou o primeiro pé na janela. -Pular! quase gritou em incentivo e quase todo seu corpo se curvava para fora. Olhou para baixo obstinado, mas sentiu-se tonto.
Agora procurava por motivos para não pular, em busca de qualquer apoio ou dever. Nada encontrou. Pensou então no que o aconteceria caso pulasse e, então, se assustou e novamente tonteou. Não havia luz, não havia forma, nem som. Logo reparou também não haver "eu", pois não havia consciência que lembrasse disso e que cada pedaço desse não-existir era perpétuo.
Desceu torto da escada e escondeu cada vestígio da pior idéia que já teve. Deitou-se na cama e sentiu-se desamparado, enquanto sentia que nunca mais suportaria o escuro, nunca mais teria uma só noite de bom sono e que nunca mais seria livre.

domingo, 11 de abril de 2010

Válvula de Escape.

Tinha acabado de escurecer e o movimento no botequim era pouco, quando um homem, que pelo farrapo que vestia e o mau cheiro que exalava só podia ser um mendigo, sentou no enferrujado banco de aço do balcão.
-Traz um veneno!-ordenou com a voz mole e um tanto nasal de quem andou entornando. O homem do outro lado do balcão virou-lhe a cara enquanto limpava, com demasiada atenção, um copinho.
O mendigo, entendendo o que estava acontecendo, pegou algumas notas amassadas e as colocou no balcão de modo violento. Sem olhar o miserável nos olhos, trouxe-lhe a bebida e continuou trazendo, sempre mudo, enquanto o mendigo pegava as notas e as batia no balcão.
Pouco tempo depois, o pobre bêbado lamentava, em alto e bom som, como se falasse diretamente à alguém.
-Há algo errado nessa bebida. Não estou ficando torpe o suficiente para parar de me envergonhar por estar fazendo toda essa merda de gritaria.
Dos poucos que o viam e ouviam, tinha aqueles que cochichavam e riam dele, que enquanto se lamentava, tropeçava no chão sem obstáculos, e aqueles que o olhavam com desprezo.

***
Já era madrugada e o pobre miserável acordou sozinho na rua deserta do botequim, que estava fechado. Sentiu o asfalto úmido e gelado tocar seus pés descalços e percebeu que lhe tinham levado os sapatos e o pouco dinheiro que havia sobrado. Levantou-se. Com uma garrafa vazia na mão, náuseas e uma cabeça cheia e dolorida seguiu pela rua deserta e escura.