domingo, 18 de agosto de 2013

Cigarro

   Longilíneo, fumegante... sensual! O trago aos lábios porque me dá mais que beijos... Prazer, quentura e falta de ar. Me agrada, também, olhá-lo. Agrada porque dança como só os vapores dançam, sempre em direção ao céu formando círculos e curvas, enquanto pinta tudo em tons de pálido azul.
   Me desespera não tê-lo por perto. Há muito foi meu único amante e talvez venha daí esse apego. Hoje é o outro do qual o real amor abomina. Ciúme... Meu amor diz que nosso caso é vício, é doença. E tem razão. Mas o que fazer se eu gosto daquele inconfundível cheiro de morte?
   Vou largá-lo! Prometo que vou. Assim que eu... Assim que eu.... Assim que eu perceber e admitir quão fraco sou.

quarta-feira, 27 de março de 2013

O último signo

   Poucos sabem, mas existe um décimo terceiro signo do zodíaco. Este é o signo dos que não vivem sob a influência dos astros e sim da do vácuo entre eles. O signo dos infortunados, dos loucos e desesperados. Edgar o dizia corvo, Augusto o dizia verme e eu digo que sou deste signo multiforme e azarado. Nasci no mês que vem depois de dezembro e antes de janeiro, no dia 32, às 25 horas na única encruzilhada que há na estrada Sodoma-Gomorra. E digo isso somente para que os desconfiados como eu possam consultar meu mapa astral e ter a certeza de que não minto. Uma espécie torta de argumento de autoridade.
   Nós vacuonianos somos desconcertados, sem grandes habilidades, estrábicos, sociofóbicos e depressivos  por longos períodos de tempo intervalados por breves momentos de apatia, seja alcoólica ou medicamentosa.
   Um famoso nativo de meu signo, Murphy, escreveu nosso manifesto que é também um conjunto das leis que regem o universo para nós. Somente para nós, pois não só a venda da lei dos homens é de tecido transparente e caro. Talvez você, leitor, esteja familiarizado com as Leis de Murphy.
   Estando, então, muito bem definidos minha sorte e destino; e eu conformado e acostumado a eles, eis que todo o cosmos é contrariado. Ou talvez tenha se apiedado de minha condição... O fato é que colocou em meu caminho uma brisa de amor. Mas como confiar que esse pequeno movimento de ar é o prenúncio de toda uma tempestade que culminará em tornados e vacas voando e não em um efêmero embaraçador de cabelos? Há certa frustração em se conseguir o que quer. Essa desconfiança que vem da percepção de estar vivendo a exceção à regra. Afinal, como pode o leão amar o nada entre as estrelas?

domingo, 3 de março de 2013

Vem

Vem num soco
que te quero tosco.
Vem sem jeito
que te quero torto.
Só não vem louco
que não te quero morto.

Vem aberto
que simplesmente te quero.
Seja abraço,
seja laço de braço.
Só esteja comigo.
Esteja vivo.

Pele devastada

A pela era terra
fértil e verde,
vulnerável e pulsante.
Ele era explorador,
alcançava cada curva,
dominava e nomeava.
A ditava!
Pois ela era dele.
Ativamente submissa
acatava cada imposição
como quem ouve uma sugestão
já que assim se agradava
tal como se enganava.
Fato sem importância
para ela: terra encontrada.
Terra nomeada!
Explorada,
mas útil em última instância.

Ele tem outro

O travesseiro extra ocupa o vácuo
deixado por aquele último.
Retardado desistiu de largar
o cigarro que fumava.
Nervosamente xingava e chorava
o homem que agora levantava.
E dizia não saber.
E dizia que o amava.
Machucado e abandonado não ligava
para outro que o curasse.
A carência morreria
sufocada em fumaça,
por travesseiros esmagada
e pelo relógio ignorada.
E esse cantava,
e tic-taqueava
promessa de amnésia.

domingo, 14 de outubro de 2012

Da Cegueira (auto imposta)

   Ele tateou no escuro do quarto pelo seu óculos perdido em algum lugar do criado-mudo. Achou-o e, ainda que o estivesse procurando, sobressaltou-se com o toque frio das lentes. Era um desses dias que considerava tal acessório terrível. Pegou o objeto do seu medo cuidando para que o manchasse com os dedos. Imprimindo, desta forma, no vidro - "Cristal!", diria o oculista - suas digitais. 
   Levantou-se da cama cego e sereno, ainda com ele nas mãos. Caminhou com cuidado pelo breu em direção do interruptor tropeçando nos próprios chinelos, trapos e móveis. Ao alcançá-lo, segurou o óculos frente ao rosto para baforejar as lentes, embaçando-as ainda mais. Somente quando o colocou na cara ligou a luz, desta forma não corria o risco de enxergar.
-Tem dias que eu prefiro ser cego. Dias em que ignorar o que há ao meu redor é necessário se pretendo manter certa sanidade mental.- Explicou a si mesmo.
   No dia seguinte ele ainda se encontrava no breu do dia anterior, mesmo depois de ligada a luz.

sábado, 15 de setembro de 2012

É Proibido Amar

Fumei um cigarro inteiro
num ímpeto estrangeiro
de mudar de vida.
Rasparia a cabeça
com toda certeza
de que minha imagem mudaria.
Começaria assim,
com o exterior de mim
que a mudança é assim mesmo:
de fora pra dentro.
Alguém aponta e ri
e você chora se escondendo.

Ai esse cigarro grudento!
E essa lágrima escorrendo...

Quem é esse cara
que me tira na marra
o prazer de lento ir morrendo?
Quem é esse garoto
que me esfrega no rosto
a culpa de eu ser tão novo?

Acendo outro cigarro
e já é o terceiro.
Olho o oráculo
nas costas do maço
e o sorriso vem ainda que torto.

D
E
R
R
A
M
E

Mas essa sorte não tenho.
Então o plano primeiro mantenho
e planejo meu futuro correndo:
atos insanos e repentinos,
amores unilaterais,
fodas casuais
e morte num hospício.