domingo, 9 de janeiro de 2011

Se conheço ele? Conheço sim, por que?

   Quando criança ficou fascinado com a ideia de ser astronauta. Clichê, eu sei. Eu sei... droga! Eu disse que sei. Enfim... Queria ser astronauta. Acredito que esse fascínio começou na primeira vez que viu "Monty´s moon", um desenho animado antigo com recorrentes cenas de corridas malucas num plano único. Foi nessa época também que a maioria de seus desenhos, quase abstratos nos seus traços tortos, passaram a ter essa temática como mais comum e pouco depois como única .
   Um pouco mais velho e distante dos pensamentos infantis, o que tinha como grande aspiração na vida quase dissipou-se no fluxo de água fervente que é a adolescência. Mas, num dia que mesmo sendo singular era tão entediante como os outros, lhe perguntaram que profissão pretendia seguir. Assim, do nada. Sem nenhum aviso prévio. E, então, como se não tivesse o que mais responder disse: astronauta.
   Como assim "e aí"? Riram. Um deles que tinha a pele enferrujada e cheiro de queijo, fez uma piada com "mundo da lua", trocadilho infeliz. Se eu lembro? Acho que foi "deve ser por que você vive no mundo da lua". Avisei que era um trocadilho infe... Não acredito que você está rindo. Não, não. Você rindo? Nunca!
   Se ele tem namorada? Além dos pais, nunca criou laços com ninguém. Até mesmo o que com eles parecia uma ligação feita à algemas, tornou-se algo maleável e fácil de romper.
   Acho que seu grande amor era ele mesmo. Uma prova disso foi sua reação à piada do ruivo enferrujado e fedorento. O que fez? Ele furou o ruivo na mão com uma caneta e o chutou na canela, ele diz ter mirado o saco. Como assim "exagerado"? Imagina se tivessem feito pouco do único ser a quem você dá alguma atenção.Imagina! Pois digo que foi isso o que ele sentiu.
   O pior não foi tê-lo ofendido, mas ter feito isso com a verdade. Ele nunca gostou de ficar enraizado no real e sempre acabava flutuando para algum lugar que considerava melhor. Não que a realidade fosse violenta e crua com ele, ele nunca foi molestado, nem tem doenças crônicas, teve uma vida comum e sem histórias extraordinárias, mas acho que isso não era suficiente.
   E agora? Não entendi sua pergunta.
- Bom, você contou de quando ele era criança e de quando vocês se conheceram na adolescência.
- Não disse que nos conhecemos.
- Disse sim. Disse que se falaram.
- Disse? Desculpa então. É que menti, inventei tudo.
- Que seja... Termina a história. E aí..
   Depois de adulto...
-Vê se dá uma morte digna à ele.
   Depois de adulto ele viajou cada vez mais longe dentro de seu universo particular e fez isso com ajuda de drogas, óbvio. Manteve-se distante de qualquer contato social desnecessário, ou que ele considerasse desnecessário, e, graças à isso, nunca teve um emprego. Vive às custas dos pais idosos até hoje e está aqui  para se aventurar na favela atrás de mais drogas.
- E a morte digna?
- Morrerá sozinho, velho e chapado num beco mijado qualquer desses.
- Não! Seja humano e dê a ele uma morte que não seja insignificante e invisível.
- Que seja então.
   Ainda hoje, já chapado, ele se encontrará com o ruivo sardento e obeso, que agora é magro, sem sardas e tem cabelo grisalho. Eles se desentenderão e ele o matará enfiando a caneta primeiro no olho esquerdo e depois na garganta. Por culpa da forma que o matou ele será confundido com um serial killer que matou mais de cem homens e mulheres de meia idade da mesma forma e, depois de algum tempo, ao tentar fugir da polícia ele será baleado. Morrerá como um serial killer conhecido e odiado por todos. Fim.
- Mas, só pra deixar claro. Esse final só alegra à você. Ele não liga.
- Que seja. Mas, qual o nome.
- O meu?
- Não, o dele.
- João.

terça-feira, 4 de janeiro de 2011

A diferença.

"Acordou, vendo sangue...Horrível! O osso
Frontal em fogo... Ia talvez morrer.
Disse. Olhou-se no espelho. Era tão moço,
Ah! Certamente não podia ser!"
(Augusto dos Anjos, Obsessão do sangue)

Bom é entrar no ônibus vazio e
receber um bom dia alegre do motorista
É sentar na janela e 
ver o que se parece com um quadro
de casas coloridas,
pessoas à vontade
e um sol preguiçoso.
É ficar levemente tonto
com o movimento do ônibus.
É por o fone de ouvido
e ouvir seu cantor favorito.
É encontrar um bom amigo
num ponto qualquer desse caminho.
É conversar quase em sussurros
sobre qualquer assunto.

Ruim é acordar em pé, sozinho, num ônibus lotado e ter de gritar ao motorista para parar porque você perdeu o ponto da escola.