(Charles Baudelaire, Espanquemos os Pobres!)
Era um garoto que pareceria com aquele que estava impacientemente sentado no ônibus com seus fones de ouvido e a música alta demais, não fosse as densas camadas de sujeira, o cabelo selvagem, os trapos encardidos, a fedentina, o olhar desesperançado cheio de ódio e tudo o mais que denunciava seu lugar desfavorável numa hierarquia desumana. Esse garoto entrou o mais sorrateiramente que pode pela porta de trás do ônibus, causando desconforto nos outros passageiros, aqueles que entram pela frente, mas que na verdade nada tem a ver com ele.
O mais incomodado dos passageiros, não se sabe o porquê, era o garoto dos fones com sua pele fresca do banho, o cabelo bem arrumado para parecer despenteado, as roupas novas tratadas com rigor para que parecessem trapos, o cheiro de perfume que carregava no pescoço e nos pulsos e tudo o mais que mostrava como era estar num patamar um pouco mais elevado naquela, não-mais-tão-cruel, hierarquia. Este olhava forçosamente a janela como se para evitar o desprazer de olhar aquela vítima transgressora do sistema enquanto sonhava esperançoso com o momento no qual ele sairia do ônibus e o desconforto sairia dele. Muito embora não pudesse dar a explicação devida para si mesmo do porquê de tanto mal-estar.
Ele chegou ao ponto, saiu do ônibus mas o desconforto ficou. Nunca se foi. Mas, por sorte, ele pensaria um dia quando se lembrasse, não só os mendigos são ignoráveis, também o são os males que afetam nosso mundo interno. Mesmo os que o fazem para o bem.
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