segunda-feira, 9 de janeiro de 2012

Vida e morte do passante que me olhou torto e revelou tudo.

   A frustração fora sempre uma constante. Era tão acostumado a sua presença que nas raras ocasiões em que esta se ausentava era impossível evitar surpreender-se. Essas raras e alegres ocasiões eram por ele ansiadas como um morto de fome anseia por um prato de comida, mas não importava quão alegres fossem pois nunca eram mais que efêmeras, nunca válidas.
   Tantos anos exposto a esses sentimentos amargos que o afogavam sempre que se decepcionava estavam tornando-o melancólico e vulnerável. Acordava tarde depois de dormir cedo e ao olhar através da janela empoeirada do quarto começava a amaldiçoar o céu por este ser incapaz de controlar a chuva de lágrimas e o trovejar de soluços. Quase como se o céu fosse uma extensão dele próprio. Quase como se o céu não chorasse solitário lá do alto inalcançável, mas sim ao seu lado. Os dois impalpáveis, os dois nublados.
   Sentia falta de algo que não era capaz de identificar, algo que era tão parte dele quanto seu próprio braço. Algo como um membro amputado, que ainda doía como se estivesse ali. Era a falta de algo comum a todos de sua espécie, menos a ele.
   Numa noite de singular angústia começou a se auto-analisar, como que em busca da razão de sentir-se da forma que sempre se sentiu. Era uma tentativa desesperada de se curar, se é que se permitia este tipo de esperança. Acabou se descobrindo insignificante. Assim como tudo no mundo era ele filho do acaso, sem finalidade, sem nada.
   Nessa mesma noite ele morreu. Morreu como quem desmaia. Morreu como quem dorme. Morreu porque simplesmente não havia mais nada que o segurasse vivo e, ao morrer, ninguém soube. Ninguém nunca soube. Era um ninguém e com estes não se desperdiça nem um milímetro da página de óbitos.

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