terça-feira, 22 de dezembro de 2009

Vida Inacabável.

Estava exageradamente carente. Sentei-me no muro inacabado da área de meu apartamento, à pouca distância de uma queda de exatos 12 andares. Mas, suicídio estava fora de questão, é claro.

Levantei-me, os tijolos sujaram minha calça e, nesse dia, tinha reunião do inútil do meu chefe. Dei uns quinhentos tapas na minha calça, até que ficasse impecável, e fui para o Centro da Cidade no meu carro de classe-média, que era mais velho que meu filho mais novo, de seis anos.

Como já esperava, o trânsito estava engarrafado, levaria uma hora para chegar. Enquanto esperava o sinal abrir, me olhei no retrovisor  e, o que vi, foi uma barba de dois dias com alguns fios brancos, mais um motivo para reclamação, pensei.

Quando cheguei, a reunião havia sido desmarcada e meu chefe arranjou um meio de por a culpa nos meus vinte minutos de atraso. Tive mais um dia monótono em frente à fria tela do computador, exceto pela hora do almoço, que passei no fumódromo da empresa. Pouco antes de ir embora, ainda tive de ouvir: "Vê se chega cedo amanhã e, pelo amor de Deus, raspe isso!"

Finalmente em casa, descobri meu filho mais velho, que me odeia e deveria estar na casa da mãe, minha ex-mulher, na minha cama com a nova namorada. Ela foi a primeira a reparar que eu estava ali e não pareceu se importar. Parou com os gemidos de súbito e gritou: "Tio!" com um sorriso de orelha à orelha.

Meu filho levantou a calça, que ainda vestia na altura dos joelhos, cobriu a garota e gritou para que eu saisse e fechasse a porta. Eu a fechei e os esperei. Ele empurrou a garota para fora do apartamento, depois de esperá-la, fora do quarto, se vestir. E, antes de sair, gritou que péssimo pai eu era.Fumei dois maços de Hollywood e bebi tanto café que dormir se tornou impossível.

Enquanto assistia ao Programa do Jô, encontrei em meio aos lençóis um pedaço de papel, que reconheci ser um pedaço de um relatório para levar ao meu chefe no dia seguinte, onde estava escrito: " Me liga ainda hoje 9974-3223, Clara".

Liguei e reconheci a voz da garota do meu filho. Enquanto a esperava preparei mais café e bebi-o ávido. Ao chegar, com sua mini-saia, top e all-star, disse "oi" e enfiou sua lingua em minha garganta. Comi-a como cachorros de rua comem vira-latas. E a expulsei após ouvir dela: "Você faz muito melhor...", sentindo asco de mim mesmo.

De manhã, sentei novamente no muro inacabado. Suicídio pareceu a resposta da equação mas, matemática, nunca foi meu forte. Imprimi novamente o relatório e corri para meu carro, estava atrasado.

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